Histórias em Quadrinhos

 

Histórias em Quadrinhos (HQs) são narrações feitas em uma sequência de quadros com o uso de desenhos e discurso direto. É o nome dado aos Comic Books no Brasil.

Na entrevista abaixo, concedida especialmente ao Clube de Português da Dickinson College, Mário Cau, quadrinista e ilustrador brasileiro, autor de Histórias em Quadrinhos independentes, como a série autoral “Pieces” (http://www.mariocau.com/Portfolio/HQ/infopieces1.htm) e do premiado webquadrinho “Terapia” (http://petisco.org/terapia/2011/05/terapia-pag-01/#.UJhVLSLCbTo), explica como é a produção e a divulgação e distribuição de HQs no Brasil. Ele também nos contou o que é produção independente e webquadrinhos.

 

 Clube de Português: Como é a produção de quadrinhos no Brasil?

Mário Cau: Atualmente, a produção de HQ no Brasil é bastante vasta. Estamos num momento em que a produção cresce, as editoras investem e novos autores aparecem a cada instante. Podemos dizer que o mercado está aquecido, mas ainda longe do ideal.
Como em vários lugares do mundo, boa parte da produção atual é independente e/ou destinada à internet. As editoras focam em material autoral em formato Graphic Novel, e poucas editoras se mantém publicando séries mensais para venda em banca de jornal. Desse material, metade é republicação de HQs norte-americanas ou orientais, e a outra metade é dominada pela Mauricio de Sousa Produções. A publicação de séries da Disney, por exemplo, é muito menor hoje do que há alguns anos.
Muitos artistas trabalham para os mercados norte-americano, europeu e até mesmo oriental. Podem trabalhar diretamente do Brasil, graças à internet.
Outros, mais autorais, focam na produção de Graphic Novels, HQs mais longas compiladas em formato livro, que estão essencialmente em livrarias, e não nas bancas. Muitos outros atuam no que chamamos de mercado independente, produzindo e editando seus próprios trabalhos sem o auxílio/intervenção de uma editora.
CP: Quem são os autores mais relevantes dos quadrinhos brasileiros?
MC: Atualmente, os autores mais conceituados são Laerte, Angeli, Danilo Beyruth, Fábio Moon, Gabriel Bá, Rafael Grampá, Rafael Albuquerque, Vitor Cafagi, Laudo, Gustavo Duarte, Will, Daniel Esteves, Fernando Gonsales, Vitor Cafagi, Will, Daniel Esteves, Fernando Gonsales, Lourenço Mutarelli, entre outros. Existe um elenco formidável de artistas nacionais se destacando em todas as áreas relacionadas às Histórias em Quadrinhos.
CP: O que são quadrinhos independentes?
MC: Chamamos de independente qualquer autor que não tenha uma ligação com editoras. Pode abranger desde um simples fanzine, feito com fotocópia e distribuído gratuitamente entre amigos, com tiragem pequena, até grandes álbuns, com muitas páginas e projeto gráfico elaborado. A condição é sempre não ter uma editora envolvida na produção.
Isso vem mudando um pouco, sendo que editoras pequenas produzem materiais com “cara” de independentes, e dada sua estrutura, a distribuição acaba sendo menor. Alguns autores independentes fazem acordos com editoras, sendo que elas somente distribuem o material que foi produzido pelo autor.
As duas grandes diferenças entre ser independente e publicar por editora são o retorno financeiro e a distribuição.
Enquanto uma editora repassa cerca de 10% do preço de capa para o autor, se o mesmo vende um trabalho independente, praticamente todo o preço de capa retorna ao próprio autor. Vale lembrar que nem sempre uma editora paga pelos custos de impressão.
Quanto à distribuição, esta é muito mais fácil para uma editora, que já tem toda a “máquina” montada. Um autor independente dependeria de sua própria logística para vender: consignar com lojas, envio pelo correio, participar de eventos. E claro, arcar com os custos de impressão e produção. Porém, como muita gente ainda é iniciante, e leva-se um tempo até ter um trabalho maduro que interesse às editoras, é interessante começar a produção independente, que serve como treino e aprimoramento, além de fazer o autor conhecer e participar ativamente de todo o processo editorial.

 

CP: O que são webquadrinhos?
MC: Webquadrinhos, ou webcomics, ou quadrinhos digitais; são um formato relativamente novo de fazer HQ: são quadrinhos produzidos para a internet e suportes digitais. Essencialmente, seria a mesma coisa, só mudando o “local” da publicação, mas as webcomics têm inovado de várias formas, criando recursos narrativos e de leitura que a versão impressa nunca atingiria. Por exemplo, a possibilidade de usar animações, sons, música, dublagem, gifs, sequências infindáveis de quadros ou cenário… E os recursos de clicar e arrastas, ou mesmo de usar o dedo (“swipe”) para “virar páginas” ou mesmo dar continuidade à história.

 

CP: Quem mais influenciou a leitura e a produção de quadrinhos no Brasil? Há interesse na leitura de quadrinhos no pais?

MC: É difícil eleger uma única pessoa ou fonte que tenha influenciado a produção de HQs no Brasil. Toda forma de arte é gerada a partir de outras. Não há como negar que, gerada a partir de outras experiências narrativas, as Histórias em Quadrinhos foram gradualmente conquistando seu público. Originalmente publicadas em jornais, e com abordagens mais cômicas (daí o termo “comics” usado até hoje), era consumido e descartado, e esse foi o fio condutor por muitos anos: quadrinhos são entretenimento barato, rápido e descartável. Atualmente, a postura mudou completamente. Colecionadores, leitores, produtores, artistas… Principalmente em se tratando do mercado norte-americano, japonês e até o europeu. É um mercado absurdo, gigantesco, mas que não tem ainda a mesma estatura no Brasil. Ainda.

Existe grande interesse pela leitura de HQs no Brasil. O que impede que mais pessoas possam ler são problemas estruturais do país, ao meu ver. Como por exemplo, preço. Nem toda revista de quadrinhos é barata. Temos uma porção grande da população que é muito pobre e, geralmente, a compra de uma HQ é considerada um gasto supérfluo. O sistema educacional, especialmente o público, é cheio de problemas, e com uma proposta de ensino antiquada e falta de investimentos, as crianças costumam não se interessar por leitura. Temos uma horda de analfabetos funcionais.
As HQs são uma ótima porta de entrada para a leitura. Crianças que lêem HQs infantis podem começar a ler HQs mais maduras e disso, partir para graphic novels e livros.
O Governo Brasileiro tem um programa chamado PNBE, que é a compra de títulos de HQ para as bibliotecas das escolas. É uma ação memorável, mas recente, e ainda existe uma preferência por títulos de adaptação de clássicos literários para HQ, e não obras originais. Esses títulos, um vez nas bibliotecas, podem ser lidos por gerações de crianças e adolescentes, pessoas que não poderiam pagar uma coleção se quisessem.
Particularmente, eu torço para que a leitura de quadrinhos nas escolas cresça, a leitura fora das escolas também cresça, e o que chamamos de “mercado” de quadrinhos possa se consolidar cada vez mais para um público cada vez maior.
Mas não podemos deixar de apontar a importância absurda que Maurício de Sousa teve e ainda tem nos quadrinhos brasileiros. Desde os anos 60 ele batalha e investe em sua carreira e produtos, e há anos tem o maior estúdio de produção de HQ do país. Seus personagens são nacionalmente – e internacionalmente – conhecidos e celebrados. A Turma da Mônica é com certeza o primeiro contato com HQ – e, por que não, com a leitura em si – da grande maioria dos brasileiros. Esses leitores aprendem a ler e a entender a linguagem das HQs através das séries produzidas pelo MSP, e a partir daí, podem buscar títulos diferentes, descobrindo uma grande variedade.

A produção de HQs e a leitura delas sempre existiram no Brasil, especialmente desde os anos 40. Ciclos de produção e consumo grandes e ínfimos se alternaram durante a história.
CP: Como é o mercado brasileiro de quadrinhos?
MC: Essa é uma questão aparentemente complicada… Mas existe sim um mercado brasileiro de quadrinhos. Como comentei acima, ele é composto de várias vertentes, mas raramente existe o que podemos chamar de “estabilidade financeira” para um autor de HQ.
Os artistas que trabalham para mercados internacionais costumam ser melhor pagos, geralmente por página e também têm royalties dos álbuns que produzem. Mas os artistas que publicam no Brasil ficam sujeitos, geralmente, à situação de produzir muito e receber pouco. Sendo independentes ou não, geralmente é isso que acontece: um retorno financeiro não-estável, margeado por trabalhos em outras áreas, similares ou não, para conseguir cobrir todas as necessidades básicas.
Uma grande fatia da produção nacional é ligada diretamente à MSP, Maurício de Sousa Produções. O estúdio produz as séries da Turma da Mônica, e é, ao que me consta, o único que consegue esse tipo de organização, visto que todos que trabalham lá têm os mesmos benefícios que um trabalhador de qualquer área deve ter.
Torço para que um dia nossa economia e nosso sistema editorial possa pagar os artistas e escritores não só pela porcentagem de vendas, mas também por páginas, por eventos, por viagens e coisas do tipo. Como sempre costuma-se falar, é muito difícil produzir quadrinhos, e mais ainda, viver somente disso.

CP: Há grandes eventos destinados a divulgação e vendas de quadrinhos no Brasil?

MC: Sim! Nos últimos 10 anos, mais ou menos, o Brasil tem se mostrado não só um grande e potencial mercado, cheio de autores relevantes, mas também um grande país para eventos. O mais importante é o FIQ – Festival – Festival Internacional de Quadrinhos, sediado em Belo Horizonte, e bienal. É o maior evento de quadrinhos do país, e a edição de 2011 foi recorde de frequentadores, ganhando inclusive da Comic Con de San Diego, o maior evento de cultura pop do mundo. Outros eventos, menores, têm acontecido anualmente e várias cidades, como a Rio Comicon, a GibiCon, Multiverso Comic Con, Fest Comix, Flip-Natal, entre outros.
Esses eventos têm trazido autores estrangeiros, exposições, e são o cenário escolhido pela maior parte dos independentes para lançar novos trabalhos.

 

 

 

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